Introdução ao livro «Short lives of the Dominican Saints»

- 1 comentários
INTRODUÇÃO
Este livro é um álbum de fotografias dominicanas. As imagens são pintadas com palavras, e não com crayon ou óleo. Elas todas são pinturas — realistas, fidedignas e verdadeiras. Cada capítulo — e aqui temos quase uma centena deles — é um retrato do qual o original um dia viveu em um claustro dominicano, em uma casa conventual, em um antigo salão, em uma nobre ou principesca mansão, ou, como Jesus em Nazaré, em uma singela cabana em meio ao povo simples, humilde e trabalhador que ganhavam o seu pão de cada dia com o suor em seus rostos.
Elas são oferecidas ao leitor para seu estudo, sua admiração, e talvez até para sua imitação. Aqui temos luzes e sombras em cada um desses retratos, assim como existem luzes e sombras em toda vida humana, do Éden a Josafá, do alvorecer da Criação até o seu crepúsculo. Cada uma dessas imagens nos conta sua própria história, cada uma ensina sua própria lição, cada uma prega o seu próprio sermão, cada uma é o retrato da vida e de uma santa vida — para cada uma há a vida de um Santo. A palavra Santo é usada em sentido largo. Nem todos aqui são canonizados — alguns são apenas “Beatos” ou bem-aventurados da Ordem de São Domingos. Eles aguardam o selo final da Igreja. Contudo, nem um dos que são chamados bem-aventurados pela voz do povo, mas não ainda declarados beatos pela voz da Igreja, estão presentes neste livro.
Existem vários retratos introduzidos nesta série sobre a Ordem Dominicana sobre os quais São Domingos não tem direitos ou reivindicações. Contudo, eles estão aqui pintados porque eles têm uma reivindicação sobre ele e os seus, na conta de serviços prestados à Ordem em momentos que esta mesma precisou deles. Santo Agostinho de Hipona, cuja Regra São Domingos adotou em concordância com o decreto do Quarto Concílio de Latrão proibindo a introdução de novas Regras religiosas; São Francisco de Assis, irmão gêmeo de São Domingos, “tornados próximos pela Santa Mãe Igreja” como um antigo cronista o diz, muito embora as seus caminhos fossem divididos e suas vidas vividas separadamente; São Servácio, que, em uma memorável ocasião, fez o serviço de capelão espiritual sob os desejos de um dos filhos de São Domingos; Santa Maria Madalena e Santa Catarina, a Virgem Mártir de Alexandria, cada uma das quais é chamada “Protetora da Ordem”, por razões dadas em suas respectivas Vidas. A esses são adicionadas ainda duas Festas intimamente conectadas com a vida e o trabalho dominicanos — a festa do Patrocínio de Nossa Senhora e a festa proeminentemente dominicana do Rosário.
Essas Vidas são necessariamente “curtas”, dado que todas tiveram de ser comprimidas entre as duas capas de um único volume de um octavo. A sua própria brevidade adiciona algo de especial ao charme, e pode levar muitos a lê-los. L'appétit vient en mangeant. Talvez, tendo lido isto, eles possam ser levados a ler outras Vidas dos mesmos Santos que são mais detalhadas do que essas, devido ao espaço limitado, possam ser. Embora necessariamente miniaturas, as imagens neste álbum são fielmente pintadas — tiradas da vida. As principais autoridades de onde esses fatos são tirados são as obras “Diario Domenicano”, de Marchese, das Lições do Breviário Dominicano, e da excelente obra, “L’Année Dominicaine”. Embora o “Année Dominicaine” já tenha dezesseis volumes longos, os compiladores apenas alcançaram o fim do mês de Agosto. Consequentemente, a autora desses pequenos rascunhos não teve a inestimável ajuda dessa obra em desenhar as histórias dos Santos cujas Festas ocorrem nos quatro meses subsequentes a Agosto. Pois, como será visto, a ordem seguida nessas curtas Vidas não é alfabética nem cronológica, mas sim a sugerida pelo Calendário do Rito Dominicano.
A lição das Vidas não está distante para que se busque; o objeto do autor, se escondido, o está por detrás de um véu transparente. A curta oração sugerida ao final de cada capítulo revela o desejo na mente do autor, as orações sendo traduções das Coletas ditas na Missa da Festa do Santo.
“Pictoribus atque poetis
Quidlibet audendi semper fuit æqua potestas”
quer dizer que os autores e poetas sempre tiveram o poder de ousar o que quer que suas fantasias lhes sugerissem. A “fantasia” do pintor de palavras desse álbum dominicano foi seguramente esse — o de fazer com que os santificados filhos de São Domingos falem após a morte, preguem através de suas vidas, e continuem com seus apostolados em meio aos homens. O livro agora oferecido ao pio leitor é o resultado — o feliz resultado — dessa “ousadia”. Esse não é um livro de preceitos; é um livro de exemplos. Essa não é a Cristandade ou o mais elevado e perfeito estado da vida Cristã no abstrato; é tudo isso, mas no concreto. Esse não é um tratado de teologia ascética, mas sim uma gravação da prática desta, tanto na clausura quanto no mundo. Isso não nos diz o que deve ser feito, mas sim nos revela o que foi feito. Sinteticamente, esse livro mostra o que pode ser feito. E isso se torna ainda mais prático — o livro prova que nós também podemos fazê-lo.
Não existe talvez leitura tão seca, nenhuma que gere tão pouca força, mesmo ao mais onívoro dos leitores, quanto a leitura de sermões, ainda que esses mesmos sermões tenham sido pregados pelos mais sérios e eloquentes homens. Na maioria das livrarias, os livros de sermões permanecem intocados ou relegados para as prateleiras mais altas. Quem lê os sermões de Santo Tomás, de São Bernardo, de Santo Agostinho, apenas pelo bem de ler? Mesmo quem — a menos que ele seja um pregador — está interessado nos discursos uma vez apaixonados, agora impassíveis, uma vez eloquentes, mas agora apagados, de Bossuet, ou nas Conferências de Lacordaire? Por outro lado, como as estatísticas dos livreiros vão revelar, poucos livros são mais requisitados que aqueles de biografias.
A leitura biográfica é quase invariavelmente interessante, até mesmo fascinante, e absorvente algumas vezes, embora o sujeito da biografia não tenha sido o mais fascinante ou absorvente por si próprio. Carlyle uma vez o experimentou quando escreveu: “Biografia é a mais universalmente agradável, a mais universalmente proveitosa leitura de todas”. Os livros em uma livraria de empréstimos popular que estão nas prateleiras mais baixas, dentro do fácil alcance, que estão mais desgastados e com mais marcas de dedos, são aqueles que não reportam palavras, mas sim que recontam feitos, que reproduzem a vida dos viventes ou dos já mortos. Ao sermão impresso falta vida: a alma já se foi de suas palavras — ele faleceu junto com o som vivente da boca do pregador. O sermão no livro está morto, e o livro é seu túmulo.
O mesmo neste grau pode ser dito sobre um livro de discursos. “Oh, que meu inimigo escreveria um livro”, especialmente se fosse um livro de seus sermões, ou mesmo de seus discursos eloquentes! A biografia não é uma gravação de palavras sem-vida; ela é a vida revivida na imaginação e na mente do leitor. Aquele cuja vida ele ler, “embora esteja morto, viverá”. A obra do biógrafo é semelhante à arte do pintor. A biografia bem-escrita, como uma imagem cuidadosamente pintada, abre a tumba vazia, tira os mortos pela mão, e mesmo os faz viver de novo. Nós o vemos, nós o ouvimos, e somos quase sensíveis à sua presença. Mesmo em novelas literárias, embora sejamos assegurados pelo autor que os personagens não existem na vida real, mas que são puramente criações imaginárias, eles parecem viver em nossas vidas e formar parte do nosso arredor vivente. Nós ficamos interessados por eles, em seus dizeres e fazeres, às vezes como se os tivéssemos visto e ouvido. Quando a novela é terminada, nós ansiamos por partir com eles; é como dizer “Adeus” a velhos amigos. E isso é muito mais verdadeiro para aqueles que não são criaturas da imaginação do escritor, mas sim que realmente viveram como agora vivemos, e em cujas vidas temos algum interesse prático. Mais especialmente ainda isso é verdade se aqueles cujas vidas são retratadas seguiram em seus dias o modo de vida que seguimos em nossas, se eles observaram a Regra a qual nós fazemos profissão, se eles foram guiados pelos princípios que nos guiam, e se eles até mesmo vestiram a mesma veste que vestimos como um símbolo e um sinal da vida, dos princípios e da profissão comum entre eles e nós mesmos.
Hagiologia é um apostolado. O hagiologista é um apóstolo. “Lembra-te dos dias antigos, considera os anos das gerações passadas; interroga teu pai, e ele te contará; teus avós e eles te dirão.” (Deut. XXXII, 7). O biógrafo relembra os dias antigos; ele faz com que gerações antigas, que estão mortas e enterradas, vivam de novo; ele faz com que nossos pais que já se foram falarem conosco que ainda estamos aqui; e, debaixo do potente feitiço de sua caneta, nossos ancestrais são levados a nos contar o que foi pensado e dito e feito nos dias cuja noite já veio. Hagiógrafos são biógrafos de santos. Hagiologia traz a vida de santos que estão a distâncias imensuráveis de nossas próprias, e os inspira a pregar para nós através da irresistível eloquência do exemplo.
Um sermão é o Cristianismo em teoria, a vida de um santo é o Cristianismo na prática. Homens práticos — e somos todos homens práticos nestes dias práticos — são afetados mais pelo concreto que pela abstrata palavra da verdade. “Um grama de prática vale um quilo de pregação” é um provérbio não menos verdadeiro só por ser antigo. Todo pregador sabe que, se sua audiência está ficando cansada, uma anedota da vida real vai reconquistar a sua atenção. “Eu me lembro”, ou “alguns anos atrás”, ou “enquanto eu estava vindo para esta Igreja hoje, eu me encontrei com um jovem”, vai comandar — sim, comandar — os ouvidos e mentes e rebitar a atenção, não apenas das crianças, mas também “desses mais velhos ou que estão envelhecendo”, quando o que é chamado “eloquência” vier a falhar. É a eloquência do exemplo vivente que vai apelar ao homem vivente. O velho sábio Sêneca disse e escreveu muitas palavras sábias, mas nada mais sábio que isso: “Os homens acreditam mais em seus olhos que em seus ouvidos”. Eles são movidos por feitos, enquanto palavras, como a asa de uma borboleta, encostam neles enquanto passam, mas não deixam marca nem impressão. Santo Agostinho tem a mesma ideia, mas ele as expressa de uma maneira ainda mais forte: “Vox verbi sonat; vox exempli tonat”, a qual podemos traduzir livremente como “Você pode ouvir a palavra formada pela voz; você deve ouvir a voz do exemplo da vida”, ou, literalmente, “A voz de uma palavra soa; a voz do exemplo troveja.”
Santo Agostinho foi convertido pela “voz do exemplo”. Ele nos diz no oitavo livro das suas Confissões que “na grande contenção de (sua) habitação interior”, ele se virou para seu amigo Alípio e exclamou: “O que nos aflige? Os incultos começam e tomam o céu à força, enquanto nós, com o nosso aprendizado e sem coração, ei-lo! Chafurdamos em carne e osso! Estaríamos nós envergonhados em seguir porque outros se foram antes, e não envergonhados em não seguir?” O futuro santo nos dá a resposta antes do final do livro. “Instantaneamente… através de uma luz de serenidade, como estava, infusa em meu coração, toda a escuridão da dúvida se esvaiu”. A abertura do próximo capítulo ou livro de Confissões epitomiza a sua vida futura: “Ó Senhor, eu sou Vosso servo. Eu sou Vosso servo, e o filho de Vossas próprias Mãos. Vós quebrastes meus laços em pedaços. A Vós oferecerei o sacrifício da adoração”. Os dois cortesãos, a história de cujas conversões levaram à consagração do próprio Santo Agostinho ao serviço de Deus, foram ganhas para Deus através da leitura quase casual da vida de Santo Antão em um pequeno livro.
A biografia foi o apostolado pelo qual a Igreja alcançou a mudança no espírito mundano de Inácio de Loyola, e pelo milagre da graça que fez dele um valente campeão da justiça e da verdade. “Um livro das Vidas de nosso Salvador e dos Santos foi levado até ele. Ele o leu primeiramente apenas para passar o tempo.” Ele “admirou seu amor pela solidão e pela Cruz.” Então veio “a firme resolução de imitar os Santos.” Finalmente, ele próprio se tornou um santo, um guerreiro-santo no exército do Senhor, e o capitão de uma companhia de santos cujo nome é “legião.” Lendo as histórias de vida dos servos de Deus, nós não estamos meramente ouvindo as palavras de homens santos; estamos contemplando suas ações, e então somos acordados de nosso sono pelo “trovão” de seus exemplos. Já foi dito antes: “Os homens vão disputar pela religião, escrever por ela, lutar por ela, morrer por ela — tudo, menos viver por ela.” Na biografia cristã nós temos a evidência convincente daqueles que viveram pela religião.
Esse é o testemunho das páginas que seguem essas palavras. A autora destas páginas, a pintora dessas palavras-pinturas, ao nos apresentar as palavras e meios dos santos filhos de São Domingos, nos deu algo em que pensar; e mais do que isso — algo que fazer, isto é, realizar em nossas próprias vidas os ideais retratados nas vidas dos santos. Santo Agostinho nos lembra que é coisa fácil e simples o honrar um mártir, mas que é coisa maior e melhor o imitar a sua fé e sua paciência. São João Crisóstomo ainda vai além ao nos dizer que alguém que é edificado pela vida meritória de um santo também deverá se deliciar em segui-lo no serviço de Deus e que, para ser consistente, se ele não se dedicar a imitá-lo, ele também não deverá honrá-lo. Ao olhar através das Vidas — em número de quase cem — brevemente e, ainda assim, vigorosamente retratadas neste volume, será que não haverá ao menos uma, gentil leitor, com que você se identifique? Não haverá alguma que te chame? Nem ao menos alguma que se pareça com aquilo que a sua própria vida possa ser, deva ser, deveria ser — ou mesmo, será?
Em um palácio em Wurzburg há uma sala forrada com espelhos. Onde quer que você olhe, você vai se ver refletido no cristal claro. E, de forma semelhante, neste álbum dominicano que você segura em suas mãos há uma série de imagens que são ao mesmo tempo espelhos. Será que não haverá ao menos uma em que você se veja refletido? — Não talvez como você é, mas como você já foi; alguma que se pareça com como você era antes de cair; alguma que se pareça com como você pode ser depois de se erguer; ou, ainda, o que você pode tornar a ser? Existem imagens espelhadas para todos — para os jovens, para os idosos, para os que estão no meio da vida; para o sacerdote e para o leigo; para a freira enclausurada e para a dama que vive no mundo; para o religioso rezando no couro ou estudando em sua cela, e para o homem do mundo ocupado nos agitados mercados da vida; para o discípulo e para o professor; para o abatido e para o alegre de coração; para o instruído e para o iletrado; para o morno e para o fervente; para o retardatário e preguiçoso, e também para o herói e para o santo. Todos têm um lugar neste volume de retratos dominicanos. Eles nem sempre foram santos; nem todos foram consistentemente e persistentemente santos; mas todos se tornaram santos, todos morreram santos, e todos são agora santos no Reino dos Céus.
Conforme contemplamos essas pinturas, a questão que se propôs a Santo Agostinho também se propõe com igual força para nós: “Será que você não consegue aquilo que esses jovens, aquilo que essas moças conseguem? Ou ainda: será que eles podem por eles mesmos, e não no Senhor seu Deus?” (Conf. livro VIII, nº XI). Se não podemos imitá-los todos, com toda certeza podemos imitar pelo menos algum. Conforme contemplamos suas faces e estudamos suas vidas, nós dificilmente conseguiremos falhar em encontrar — quem quer que seja e o que quer que ele faça — um modelo que nós poderemos escolher como nosso ideal. Eles foram todos homens e mulheres, jovens ou idosos; eles foram todos feitos do mesmo molde e da mesma carne e sangue e espírito humanos que nós; eles todos tinham paixões a que conquistar e superar, concupiscências para dominar e subjugar, uma língua desenfreada para refrear, uma natureza indômita para domar, sentidos corporais que “pesavam em suas almas;” cada um viveu em um “mundo cheio de iniquidades,” tal como o é o nosso mundo atual. Alguns talvez até estivessem na mesma posição da vida que nós, qualquer que seja ela; alguns sofreram das mesmíssimas tentações que nos esbofeteiam hoje; alguns até tiveram a mesma idade, temperamento e caráter que nós mesmos; alguns viveram em nossa terra — talvez até em nossas casas. “Quod isti et istae? Será que você não consegue aquilo que esses jovens, aquilo que essas moças conseguem?” “Lançai-vos no Senhor, e não temas; Ele não vai Se retirar para que vós caiais. Lançai-vos sem medo n’Ele; Ele vai receber-vos e curar-vos.” Deus nos deu os mesmos auxílios e ajudas que Ele os deu — oração, penitência, os Sacramentos, a intercessão da Virgem Santíssima e dos Santos. E Ele só espera de nós aquilo que Ele esperou deles — o dom de si próprio, o desprezo do mundo, a pureza de mente, coração e vida, e a união com Ele mesmo. Andando por esse caminho, imitando os seus meios, nós poderemos ser o que eles eram, e eventualmente o que eles são hoje. Quod isti et istae — nós podemos fazer aquilo que esses jovens, essas moças fizeram.
Nós podemos colocar os Santos em pedestais, como Simeão Estilita, no topo de um pilar tão elevado que nós não podemos alcançar, com auréolas sob suas cabeças que não se encaixam nas nossas, e um halo de santidade ao redor deles que aparentemente nos faria mal. Ao ler essas Vidas, os Santos descem de seus pilares; eles removem a auréola e escondem o halo; e eles se tornam o que somos, ou o que podemos ser. Quão naturais essas imagens são, e quão consolantemente naturais os Santos demonstram terem sido, mesmo no meio da vida sobrenatural que eles viveram! A graça não apaga a natureza e vive em seu lugar; ela superadiciona à natureza, e, sem destruí-la, a eleva e sobrenaturaliza, a refina, a santifica. Deus, ao conceder a graça, não aniquila a Sua obra anterior; ele apenas a aperfeiçoa. E, sendo um arquiteto sábio, Ele constrói sobre as fundações que Ele mesmo já firmou. “O Filho do Homem vem não para destruir, mas para salvar” (Lc. XI, 56); “Não para destruir a lei, mas para cumprí-la” (Mt. V, 17). A natureza e as leis naturais continuam; a graça apenas as aperfeiçoa e exalta. “Excelsior” é o lema do Santo, e ele ascende acima da natureza. Sursum corda é o comando de Deus a Seus servos, e a sua resposta vem: Habemus ad Dominum. O coração está lá; ele permanece um coração humano com paixões humanas, afeições humanas, amor humano; mas é “elevado a Deus.” Ao longo deste livro nós vemos isto exemplificado em quase todas as páginas, e nós vemos isto para nosso próprio encorajamento. Deus trabalha através da natureza; a graça aperfeiçoa, mas não destrói a natureza e os dons naturais. Tudo o que Deus, através da graça, destrói, é o pecado.
São Domingos foi um homem de natureza profundamente sincera; ele consagrou sua sinceridade a Deus e ela se tornou zelo. São Tomás de Aquino teria se tornado grande e distinto em toda e qualquer área do estudo: em ciência, em medicina, ou em lei; ele se dedicou, porém, ao estudo do sagrado, e dirigiu seus talentos a Deus; com isso, se tornou Santo e Doutor da Igreja. São Vicente Ferrer era um “orator natus”, um orador nato; e assim ele permaneceu enquanto se tornou Santo; e, consagrando pela graça seu poder oratório para Deus e a salvação das almas, ele se tornou um grande pregador do Verbo Divino e o pai espiritual de Santos. Santo Antonino poderia ter se tornado um eminente advogado, grande na estima dos homens; mas ele usou o dom da natureza para Deus e para o serviço da Igreja, e se tornou, pelo contrário, um eminente canonista e um servo escolhido dos Céus. Santa Rosa de Lima, bela de feição e de natureza gentil e refinada, poderia ter-se casado muito bem; ela, contudo, desposou a Jesus Cristo. Santa Catarina de Sena tinha um grande coração amante; ela poderia ter amado as criaturas, ou poderia ter sido guiada pelo seu coração para o pecado; mas ela deu esse coração humano com seu amor humano a Deus, e Ele deu-lha Seu Coração em troca. A história do beato Henrique Suso é instrutiva. Ele era humano — oh! tão humano! — leia sua Vida como ela está escrita neste livro e você vai entender a que me refiro; e, ainda assim, ele se tornou, sem deixar de ser humano — será que eu posso dizê-lo? — divino, um homem de Deus, místico dos místicos, o patrono e modelo de Santos ascetas mesmo em nosso próprio tempo.
“Por isso, todo escriba instruído nas coisas do Reino dos Céus é comparado a um pai de família que tira de seu tesouro coisas novas e velhas.” (Mt. XIII, 52). O “escriba” deste volume manteve essa máxima do Evangelho sempre em vista. Não é a Vida de um Santo, mas uma coleção de Vidas de Santos; não é uma fotografia, mas um álbum de imagens; não é um único espelho, mas uma sala apinhada de espelhos. Nós todos nos veremos em algum lugar; nós devemos achar uma imagem no álbum com que nós deveríamos nos parecer. Todos nós, entre tantas Vidas, encontramos ao menos uma que pode ser nosso ideal. São Raimundo, o canonista idoso de quase cinco décadas, prega aos mais velhos. Santa Rosa de Lima, expirando na idade de trinta e um, e a beata Imelda, na idade de onze, são modelos para os jovens. Os bem-nascidos e de classes letradas podem encontrar um modelo na beata Joana de Portugal; os de origens humildes e homens de trabalho no beato Alberto de Bérgamo. À mulher religiosa na clausura basta olhar para a Vida de Santa Catarina de Ricci e tentar copiar aquela vida em sua própria. A mulher que vive no mundo pode tomar a beata Margarida de Città di Castello como seu modelo e guia. O irmão leigo e a irmã leiga lerão uma lição nas vidas do beato Martinho de Porres e do beato Tiago de Ulm. O homem religioso que trabalha na salvação das almas dos demais bem como na de sua própria, olhe onde quiser, e encontrará em todo lugar algo que aprender. O homem no mundo que não deseja ser do mundo não ficará sem algum modelo ideal de homem leigo. O sofredor crônico de males do coração encontrará um modelo de paciência na beata Maria Bartolomea. O advogado, que se canse do poder, pode contemplar o retrato do beato Pedro Jeremias, e ver se a imagem se torna um espelho. O artista — o artista católico — que pinta não apenas pelo ouro mas para Deus, encontrará encorajamento nas palavras do beato Lourenço de Ripafratta para Fra Angelico e Fra Benedetto, os irmãos artistas, ambos filhos de São Domingos, que ainda são Frades Pregadores, pregando por meio de suas pinturas com uma eloquência que vai além daquela das palavras. O navegador tem seu patrono, senão seu modelo, no beato González, melhor conhecido como São Telmo. Para a senhora da moda a vida da beata Villana vai aparecer como uma força maior que os sermões de Savonarola ou de Segneri sobre a vaidade da vida mundana. O menor dos homenzinhos, o vão e conceituado homem, pode aprender uma lição do mesmo beato González e sua queda. Mesmo o apóstata que se arrepende tem seu patrono no beato Antônio Neyrot, primeiro um Dominicano, depois um apóstata da fé, e depois um converso, até finalmente ser um mártir da Fé a que ele havia renunciado. A escolha está aqui; está para o leitor escolher; e, quando ele tiver escolhido, é seu dever estudar, admirar e imitar o patrono e modelo de sua escolha.
John Procter, O.P.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluir